Analyses & Etudes

Comércio electrónico cresceu à força para resistir ao stress do Natal

O comércio online já apresentava taxas de crescimento elevadas, mas a pandemia trouxe, no habitual pico anual, um impulso inédito ao sector.


Aumentos de 30%, 50% e até 72%. O último mês do ano veio somar taxas de crescimento da procura muito elevadas à utilização do comércio eletrónico. E só não houve rutura nem problemas de maior dimensão, "porque os operadores tiveram tempo para se preparar e souberam fazê-lo", disse ao PÚBLICO, José Correia, presidente da Associação Portuguesa de Operadores Expresso (APOE).


Enviar pelo correio uma encomenda pelo serviço normal demora habitualmente entre três a quatro dias. No período do Natal, estes prazos chegaram a esticar até aos dez dias, mas as encomendas chegaram ao destino. E quem se precaveu e encomendou com antecedência conseguiu o objetivo de receber a sua compra online no tempo expectável.


Por outro lado, também aconteceu fazer uma encomenda de um par de botas num final de dia e receber a encomenda no dia seguinte (24 horas de entrega cumpridas), mas verificar depois que dentro da caixa vinha um par de botas de modelo diferente do desejado. No entanto, a devolução funcionou, uma evolução de relevo face ao que era habitual no passado. No dia seguinte, a empresa de encomendas expresso foi buscar as botas trocadas e no seguinte entregou o par desejado.


Este quadro geral não significa que ao maior volume de transações não tenha correspondido um aumento das queixas e problemas.


"É impossível que em períodos de pico como o que se verifica no mês de Dezembro não haja diminuição da qualidade e não aumentem as queixas dos clientes. Mas a verdade é que os operadores se prepararam bem ao longo do ano. Admito que houve stress na máquina, mas também devo dizer que o balanço final é positivo", comentou ao PÚBLICO o mesmo responsável.


José Correia, que é responsável em Portugal pela FedEx/TNT, diz que algumas empresas terão aumentado os seus volumes "em 50%, ou mais". E esse desempenho, na sua perspetiva, ajuda a encaixar a diminuição temporária da qualidade de serviço. "É impossível isso não acontecer em picos desta natureza, mas apesar de a pandemia ter exigido muito de nós, a verdade é que também nos permitiu prepararmo- nos para dar resposta às necessidades", insiste. Correia refere que as empresas reforçaram as suas infra- estruturas, tanto físicas como de recursos humanos, e que se alguns desses investimentos são temporários ("os recursos humanos foram contratados para dar resposta aos picos"), a verdade é que acredita que muitos desses desenvolvimentos vão ser continuados.


Já fonte oficial dos CTT - que afirma ser responsável pelas entregas de cerca de 50% das encomendas com origem no comércio online feitas no mercado nacional - diz que se preparou com bastante antecedência para este pico de procura. Para garantir todas as entregas, os CTT implementaram mais dias de trabalho, nomeadamente os sábados e feriados, contrataram "várias dezenas de trabalhadores" e aumentaram "o número de centros onde se pode realizar o tratamento destes objetos, que passaram, neste período de pico, a ser recolhidos durante a manhã e também ao fim de semana". "Para fazer face ao aumento do tráfego, em alguns períodos o processamento de encomendas foi realizado nos sete dias da semana e as entregas foram feitas também ao sábado", garantiu a mesma fonte.


Certo é que para algumas empresas o crescimento do mercado eletrónico revelou-se uma grande oportunidade.
É o caso da Ifthenpay, uma fintech (tecnológica financeira) portuguesa especializada na emissão e gestão de referências multibanco para empresas. Esta empresa explica que o grande aumento da venda de produtos através do comércio eletrónico, "fortemente impulsionado pelas restrições de confinamento e distanciamento impostas pela pandemia da covid-19", compensou a quebra acentuada em segmentos que tipicamente movimentam maiores volumes financeiros no digital, como os eventos, as viagens e o turismo. Por comparação com o período homólogo, a Ifthenpay registou em Dezembro um crescimento de 72% na movimentação financeira através das suas referências multibanco e MB Way.


Na verdade, no mês de Novembro, com taxas de crescimento homólogas de 78%, a Ifthenpay já tinha superado as metas que havia fixado para 2020. "Prevemos ultrapassar largamente o objetivo dos 640 milhões de euros e fechar o ano com um crescimento de mais de 40%," afirma Filipe Moura, co-fundador da empresa.

Fernando Braz, responsável em Portugal da Salesforce, multinacional tecnológica de plataformas de gestão da relação com os clientes (CRM), tem uma visão menos otimista e uma explicação mais prudente.


"O crescimento de 30% das compras online não foi e não está a ser acompanhado por igual tendência no sector logístico. Poder-se-ia perguntar por que é que os operadores logísticos não previram este aumento, mas todo o ano de 2020 foi pautado pela incerteza, principalmente no que diz respeito ao consumo, pelo que investimentos em expansão devem ser bem equacionados", admite.


A Associação Economia Digital (ACEPI), que todos os anos faz um estudo sobre a utilização da Internet pelos portugueses, detetou uma maior procura do comércio online, estimando que 57% dos utilizadores da rede façam compras por essa via. E, ainda mais significativo, que 73% dos utilizadores que fazem compras online admitem que fizeram em média mais do que três a cinco compras por mês.


O estudo da ACEPI/IDC calcula que o valor do comércio eletrónico deve chegar perto dos 110 mil milhões de euros no final de 2020.


A parte mais expressiva é a que se verifica no segmento business-to-business (B2B), isto é vendas de empresas a outras empresas ou ao Estado, e que devem chegar aos 103 mil milhões de euros em 2020.


O segmento business-to-consumer (B2C), que em 2019 já atingiu cerca de 2,9% do PIB, deve passar dos seis mil milhões de euros para fechar 2020 com um volume de negócios perto dos oito mil milhões de euros.


Coronavírus
Pandemia mudou a logística, entre a Amazon com aviões e os contentores mais caros
Quando em Março a pandemia de covid-19 se instalou na Europa, Jaime Vieira dos Santos, especialista em economia de transportes, chegou a temer o pior. Nove meses volvidos, e com a situação pandémica muito longe de estar resolvida, este professor de logística diz que está "positivamente surpreendido" porque desconhece casos de rutura na cadeia logística.

"Poderemos ter atrasos, mas quer na relação empresarial, no B2B, como na particular, o B2C, globalmente correu bem", sublinha, lembrando que pelas características desta situação sanitária seria expectável que blocos inteiros de sectores de operação pudessem ser obrigados a parar.


Sem negar a existência de perturbações, Vieira dos Santos lembra que o que bloqueou a cadeia, em alguns casos, foram os próprios regulamentos de saúde e não propriamente surtos no interior das organizações. E dá o exemplo do porto de Leixões, onde preside à comunidade portuária, para lembrar que no final de Novembro tinha atingido a mesma tonelagem que verificou em Novembro de 2019.


"Se olharmos para os últimos dados disponíveis, de Outubro, para todos os portos do continente, vamos encontrar quebras de 9%. Acho que estes números não podem significar uma rutura significativa na cadeia de logística", diz.


Houve, claramente, um abrandamento e uma quebra de consumo - basta pensar que os 26 milhões de turistas que visitavam Portugal por ano deixaram de vir. Mas o comércio eletrónico contrabalançou essas quebras. "Há uma notícia que fala por si. A Amazon, que nada mais é do que um operador de comércio eletrónico, foi ao mercado, agora, comprar aviões a baixo custo e criou uma companhia aérea", conclui.


Numa altura em que as companhias de aviação ficaram todas em terra, particularmente nos meses de Maio e Junho, eram os aviões cargueiros que continuavam a cruzar os céus, para dar resposta, sobretudo, ao transporte de dispositivos de proteção individual.


No caso da navegação, Vieira dos Santos sublinha a forma "extraordinária" como os armadores acomodaram o desafio e vão conseguir, este ano, resultados positivos que já não conseguiam há muito tempo.


"Os armadores reduziram a oferta quer em contentores, quer em navios, pelo que encostaram muitos. E como a procura se manteve ativa, e até em alguns segmentos cresceu, os armadores perceberam que podiam subir o frete. E muitos navios continuam encostados."


Este responsável dá como exemplo o frete entre o Extremo Oriente e a Europa, que tem como preço de referência um custo entre os 2500 a 3000 dólares por contentor de 40 pés. Agora, perto do Natal, estava a ser pedido 6000 dólares pelo transporte. "É a primeira vez que sinto os armadores a terem uma ação concertada positiva. Acho que foi mais um movimento espontâneo, uma reação defensiva, do que um plano orquestrado. Mas a verdade é que funcionou", termina.


Há, porém, uma questão que continua a preocupar este especialista em transportes. Numa altura em que o aumento do comércio eletrónico é tão expressivo, a digitalização da logística continua a dar passadas muito curtas. "A Janela Única Logística (JUL) foi apresentada em 2017. Estamos em 2021 e dizemos que estamos na maratona, mas ainda estamos nos 100 metros e já devíamos estar nos 30 quilómetros", avisa, lembrando que a concretização desta plataforma "é determinante para colocar os portos portugueses no panorama mundial de portos onde os grandes atores estão a investir, e os institucionais também".

Vieira dos Santos refere-se à Tradelens, uma plataforma anunciada pela IBM e pela Maersk em Janeiro de 2018 e que hoje em dia já tem 50% do controlo dos contentores a nível mundial. Mas também à Alice, que significa "Aliança para a inovação em logística através da colaboração na Europa" e que é patrocinada pela União Europeia.


"Estas plataformas envolvem todos os atores do canal logístico. Quando estiver numa fase mais madura e chegarem aos nossos portos para impor esta ferramenta, ou temos a nossa JUL com maturidade suficiente para nos podermos encaixar, ou não temos e corremos o risco de ser corridos da rede", lamenta.


+72%
A empresa Ifthenpay registou em Dezembro um crescimento de 72% na movimentação financeira através do multibanco e do MB Way

57%
Estudo da ACEPI estima que 57% dos utilizadores da Internet façam compras online. E que 73% desses faça mais do que três a cinco compras por mês


Fonte: Luísa Pinto, Público

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